Gentle Cage (Novel) - Capítulo 02
Tokiwa levou Itsuki a um hospital privado, que ficava ao pé da montanha. Uma enfermeira imediatamente colocou Itsuki em uma cadeira de rodas e o levou para fazer alguns exames.
“O seu tornozelo apenas torceu, mas o direito quebrou.” Disse o médico de meia idade. “Bem, mas colocaremos o gesso nos dois. Como a sua perna esquerda apenas torceu, não precisará ficar por muito tempo.”
O doutor rapidamente colocou o gesso nas duas pernas e colocou Itsuki de volta na cadeira de rodas.
“Não coloque muita força na perna esquerda por agora,” o doutor preveniu. “Você pode fazer um pouco mais de esforço no direito, mas tome cuidado, é uma torção séria.
Você teve sangramento interno, então os ligamentos estão provavelmente feridos. Se você notar que está demorando a se curar ou se algo incomum ocorrer, volte imediatamente.”
“Muito obrigado,” disse Itsuki, abaixando a cabeça. Um enfermeiro o levou de volta para a área da recepção, que já estava fechada. A espaçosa sala de espera estava vazia, iluminado por uma única luz.
“Desculpe, eu gostaria de pagar a conta.” Disse Itsuki.
“Eu tomei conta disso. Eu vou te dar o recibo mais tarde”, disse Tokiwa secamente.
“Desculpe por tudo isso,” Itsuki murmurou. Tokiwa tinha todo o direito de estar chateado, afinal, haviam passado por todos esses problemas.
Tokiwa ficou calado até voltar para a montanha. Ele não olhou para Itsuki no banco do passageiro o caminho todo. Não havia sinal de que a neve iria cessar, e a floresta estava completamente branca. Finalmente a velha fazenda ficou visível.
“Sabe por que tudo isso aconteceu, certo? Você estava brincando na neve ao invés de ir diretamente para casa.” Disse Tokiwa secamente.
“Mas seu jardim é tão lindo,” disse Itsuki sem pensar. Tokiwa olhou duvidoso, mas Itsuki continuou com o atrevimento. “O jardim de Yamabe é adorável, mas de maneira artificial, eu nunca gostei realmente. O seu jardim é verdadeiramente bonito.”
“Não diga isso para Yamabe. Sua paisagista choraria.” Disse Tokiwa enquanto soltava um sorriso, surpreso pela ousadia de Itsuki. “Por outro lado, não há como comparar um jardim cuidado por Yamabe com a minha bagunça selvagem.”
De volta para casa, Tokiwa colocou Itsuki na cadeira de rodas. A neve era tão branca, que elas podiam ser vistas claramente, mesmo durante a noite. Nervosamente,
Itsuki olhou por cima do ombro, enquanto Tokiwa o levava para frente da porta.
“Umm” ele murmurou, sua voz saiu muito fraca. “Desculpe por causar tantos problemas. Eu deveria ir para casa agora.”
Tokiwa parou, soltando uma risada. Ele nitidamente olhou para as pernas de Itsuki. “Você não pode dirigir com essas coisas! Como você planeja voltar para casa?”
“Você poderia chamar um taxi para mim.” Itsuki sugeriu amavelmente. “Eu pegarei o carro mais tarde, se não for problema para você.”
“Nenhum taxi vai aparecer aqui nessa nevasca.” Disse Tokiwa cansadamente, olhando para o jardim. “Muitos deles não tem limpador de neve. Qualquer outra ideia?”
Itsuki ficou quieto.
“Se você não quiser ficar aqui comigo, tente alguns dos meus vizinhos,” Tokiwa retrucou. “Ou dormir aqui fora e congelar. Eu não me importo. Há uma casa aqui perto.
Mas você não irá muito longe com essas pernas.”
Tão tarde. Itsuki pensou. Ele deveria ter chamado um taxi logo após perder as chaves, ou perguntar a Tokiwa se ele poderia levá-lo à estação depois de sair do hospital
Ele poderia estar em casa agora.
“Hum, posso ficar aqui por esta noite?” Pergunto Itsuki humildemente.
Tokiwa levou Itsuki até a sua sala de estar, colocou um cobertor no sofá e depois ajudou Itsuki a sair da cadeira de rodas. Depois de Itsuki sentar, Tokiwa deu a ele algumas roupas.
“Você pode ligar o aquecedor se quiser,” Tokiwa foi direto, “e aqui tem um cobertor extra. Se você precisar de mais algo, me chame.”
“Obrigado. Desculpe outra vez pelos problemas.” Disse Itsuki envergonhado.
Tokiwa virou e o deixou sozinho.
“Tokiwa-sensei!” De repente Itsuki o chamou. Percebeu o olhar frio de Tokiwa, mas ele queria dizer algo que gostaria de falar há meses. “Obrigado pelas flores que você mandou. Minha mãe amaria. Desculpe por não dizer isso mais cedo.”
Tokiwa havia mandado flores para o funeral da mãe de Itsuki, que morreu no último outono. Itsuki ficou em choque quando viu o nome de Tokiwa no arranjo de puros lírios brancos. Depois de 49 dias, mandou um presente de agradecimento, mas nunca teve a chance de agradecer pessoalmente. Ele tinha maus sentimentos sobre isso.
Tokiwa ficou em silêncio diante as palavras de Itsuki. Após um momento, ele falou em um tom suave. “Ouvir dizer que a sua irmã se casou.”
“Sim, ela encontrou um bom marido e se casaram na última primavera.” Itsuki replicou surpreso com a observação inesperada. Tokiwa sabia que Itsuki tinha uma irmã, e que ambos haviam sido criados por uma mãe solteira. Mas por que Tokiwa se importaria?
Tokiwa deu um olhar vazio, e então saiu do quarto. E quando ele não retornou, Itsuki assumiu que ele havia ido para a cama.
Itsuki tentou se acomodar no sofá e se segurou a noite toda para não gritar de dor.
Ele precisava de calmantes para diminuir a dor, mas não tinha nenhum. Mesmo sentindo-se preso por causa do gesso, finalmente conseguiu dormir um pouco.
No meio da noite, Tokiwa voltou para checar Itsuki. Levantou Itsuki e lhe deu um pouco de remédio. Itsuki engoliu os comprimidos com um copo de água e se sentiu um pouco mais relaxado. Tokiwa o colocou de volta no sofá, e então enxugou a testa com um pano úmido. Itsuki rapidamente voltou a dormir.
Itsuki se despertou, confuso pelas memórias da última noite. Tokiwa havia realmente cuidado dele? Ou isso foi tudo um sonho?
Itsuki notou a copo e um jarro de água sobre a mesa. Ele ainda estava úmido de suor, mas a dor em suas pernas havia diminuído um pouco. Encostou-se e observou o teto escuro. Ele ainda não podia acreditar que estava na casa de Tokiwa.
Tokiwa havia retornado ao Japão há quase um ano, mas não haviam se falado até o dia de ontem.
As sete, Tokiwa apareceu com a bandeja de café da manhã, com a mesma expressão sombria de ontem. Ele colocou a bandeja próxima a Itsuki, que se sentia envergonhado por esta bondade inesperada. Depois o ajudou a sentar-se na cadeira de rodas.
Itsuki não estava com fome e Tokiwa parecia perceber isso.
“Você não comeu nada desde a última noite. Coloque alguma coisa em seu estômago, e então você pode tomar mais analgésico.”
“Obrigado.” Itsuki respondeu, e pegou os hashis. Ele notou um comprimido branco no canto da bandeja, e teve um flashback da misericórdia de Tokiwa no meio da noite.
Itsuki forçou para limpar o prato enquanto Tokiwa olhava de perto. A rápida e ácida sopa de vegetais o fez sentir muito melhor.
“Você não vai comer nada?” Itsuki perguntou no meio da refeição.
“Não se preocupe,” disse Tokiwa. “Eu sempre cuido de mim primeiro. Só os tolos demais sofrem até ficarem suados.”
Itsuki rapidamente percebeu que as lembranças da última noite eram reais.
Tokiwa olhou a bandeja vazia e se levantou.
“Obrigado.” disse Itsuki. “Desculpe-me outra vez pelos problemas. Mas…”
Itsuki hesitou enquanto Tokiwa olhava para ele cansadamente.
O que foi agora? Tokiwa parecia estar pensando.
“Eu poderia usar o seu telefone?” Itsuki finalmente perguntou. “Parece que o meu telefone quebrou.”
Já havia apertado o botão de ligar milhões de vezes, mas era de se esperar. Estava cheio de arranhões por causa dos danos. Tokiwa saiu por um momento e voltou com um telefone sem fio. Ele silenciosamente entregou para Itsuki e se retirou.
“Obrigado.” Disse para Tokiwa que se retirava, discando o número de Kasaoka.
Kasaoka atendeu imediatamente. Itsuki explicou o ocorrido, incluindo o telefone que havia quebrado, e pediu desculpas por não ligar antes. Kasaoka parecia surpreso por
Tokiwa ser o salvador.
“Acho que você precisava de medidas extremas para trazê-lo até aqui,” ele disse, rindo logo em seguida. “Não tenha pressa para voltar para casa. Só peça para Tokiwa vim se encontrar com Yamabe, será por apenas uma ou duas horas. Traga ele com você, certo?”
“Não acho que ele vá me ouvir.” Itsuki murmurou. “Seria mais fácil você vim até aqui…”
“Pfff, isso não faria a menor diferença.” Kasaoka interrompeu. “Você era mais próximo a Tokiwa no passado, você é a melhor pessoa para fazer isso.”
“Mas isso será…” Itsuki começou a dizer antes de se conter. Ele realmente queria deixar o assunto pessoal fora disso. “Isso foi há muito tempo,” ele continuou calmamente. “As coisas estão diferentes agora.”
Ele deixou por isso mesmo, queria saber no que Kasaoka estava pensando. Um momento se passou antes que Kasaoka falasse outra vez.
“De qualquer forma, não posso deixar Yamabe-sensei sozinho agora”. Kasaoka finalmente disse. “Se esperarmos muito, será tarde demais. Tente convencer a Tokiwa nas próximas duas semanas.”
“Duas semanas?” Itsuki engasgou. Ele teria que ficar realmente por todo este tempo?
“Quanto mais cedo melhor.” Disse Kasaoka. “Se quiser, fique em um hotel local e continue trabalhando com ele. Mas até lá, não use o telefone da casa de Tokiwa. Espere até você estiver em um hotel em contatar-me de novo.”
“Certo.” Itsuki responder e então desligou o telefone.
Tokiwa se lembrou da sua última reunião com Yamabe-sensei. O sensei tinha quase 60, mas parecia ser 20 anos mais jovem do que era. Seu cabelo ainda era preto, ele não tinha necessidade de tingi-lo, e as características nítidas do seu rosto deixavam uma impressão distinta. A voz de Yamabe-sensei ainda era forte e dominante, tinha tendência a dominar qualquer discussão. O Sensei odiava quando algum estranho agia muito familiar com ele, ele nunca se misturava socialmente com seus empregados.
Enquanto Itsuki olhava para o seu telefone quebrado, ele decidiu que deveria levar Tokiwa até Yamabe o mais rápido possível.
Como Tokiwa havia dito, dirigir o carro nessa situação era impossível.
Itsuki poderia ser capaz de alugar carro com controle de mão, mas o pensamento de dirigir o carro de outra pessoa por essa montanha traiçoeira francamente o aterrorizava.
Ele não tinha a coragem de dizer para Kasaoka, a extensão de suas feridas, ou Kasaoka teria corrido para ajudá-lo. Itsuki odiava que o seu supervisor se preocupasse tanto com ele, especialmente porque ele era o culpado por esta situação.
De qualquer maneira, ele teria que ficar preso aqui até a neve se derreter. Ele poderia verificar os relatórios da estrada naquele dia para ver se poderia chamar um taxi. Agora, parecia que essa seria a sua única opção.
“Você não terminou ainda?” De repente Tokiwa perguntou, surpreendendo Itsuki.
Quando ele voltou? Itsuki pensou. Tokiwa mostrou o mesmo olhar frio de antes.
Itsuki rapidamente entregou-lhe o telefone.
“Desculpe por monopolizar o seu telefone. Mas obrigado por me deixar usar.” Disse Itsuki educadamente. Ele engoliu em seco, preparando-se. Era agora ou nunca. “Uh,
Tokiwa-sensei? Você fará uma visita a Yamabe em breve?” Perguntou.
Tokiwa levantou a sobrancelha, mas não respondeu.
“Não te tomará muito tempo.” Disse Itsuki. “Será meio dia, no máximo. Eles vão manda-lo para casa em um táxi depois. Eu sei que isso é realmente chato, mas eu estou implorando.”
“Hoje ou amanhã será praticamente impossível.” Tokiwa declarou firmemente. “A nevasca ainda está aumentando, as estradas estão mais geladas, e ouvi dizer que teve um acidente próximo à estação. O taxi nunca chagará aqui.”
“Nós poderíamos ir depois da neve se derreter.” Itsuki sugeriu com esperança.
“Chame um taxi e visite Yamabe. Está tudo bem com isso?”
Tokiwa apenas sorriu sarcasticamente.
“Use a cozinha quando quiser,” disse ele curto e grosso, se retirando. “Apenas fique longe do meu quarto e do meu estúdio.”
O coração de Itsuki estava pesado, enquanto observava Tokiwa se retirando.
Talvez se Kasaoka pedisse, ele pensou novamente.
Todos confiavam em Kasaoka, até mesmo jovens artistas que eram estudantes de Yamabe. Uma vez, Yamabe expulsou um aprendiz rebelde, mas Kasaoka conseguiu convencer Yamabe a aceitá-lo de volta. Kasaoka ouvia sempre a todos, procurava ser justo. Quando Yamabe dizia que Kasaoka era ‘um homem de confiança’ esse era a verdade absoluta.
Por outro lado, os aprendizes de Yamabe não confiavam em Itsuki, até mesmo como um membro do pessoal da casa. Isso era natural. Já que ele nunca teve permissão para falar com eles diretamente, Itsuki realmente nunca havia se ligado a alguém.
Embora Itsuki tivesse trabalhado para Yamabe durante 8 anos, isso não contavam muito.
Itsuki olhava para a janela de sua cadeira de rodas. A neve ainda estava caindo forte e cobria toda a paisagem.
Por que eu apenas não conto tudo para Kasaoka, pensou Itsuki amargamente.
Fazia tempo que havia chamado Tokiwa de amigo. Mas agora Tokiwa odiava Itsuki, ou parecia ser isso. Talvez ele só agisse daquela maneira ao lado de Itsuki.
Itsuki suspirou enquanto observava a paisagem coberta de neve. Sentia que nevava em seu coração também.
