Jiyuu na Karada: O Corpo Liberto - Capítulo 45

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Ano 2000.

Sapporo, Japão.

 

O bonito rapaz de pele escura e olhos orientais amendoados bebericou o champanhe enquanto encarava a infinidade de porta-retratos em cima de um piano de cauda que lá estava apenas para adorno.

Não percebeu a aproximação da mulher de quase sessenta anos, mas adorou a sensação que teve, quando ela o cercou com os braços e o apertou.

— Mãe — murmurou. — Feliz ano novo.

O primeiro dia do ano de dois mil iniciava-se sem o apocalipse prometido pelos muitos religiosos que assim temiam. Aliás, senão as comemorações, aquela entrada de ano era bastante parecida com as demais noites.

Naquela casa, ele, Kazue Ryo Sakamoto, com sua mãe, Miya Shiromiya Ryo, e com seu avô, Satoshi Ryo, faziam companhia um ao outro, enquanto sorriam e contavam histórias de como a vida prosseguia.

Kazue administrava as muitas empresas da família. Eram tantas, que muitas vezes ele desejava largar tudo de mão e fugir para uma ilha deserta. Contudo, sabia que era responsável pela herança do pai – hotéis e uma rede de livraria – e da mãe – mais hotéis e fábricas. Foi preparado desde criança para aquela função e a cumpriria. Era um legado que o orgulhava.

— O que está olhando? — a mãe questionou, encarando as fotos.

— As lembranças de nossa família— ele murmurou. — Meus avôs, meu pai… Temos tanto a contar.

Ela sorriu.

— Sim, temos uma história grandiosa. Nossa família sobreviveu a muitas coisas, e hoje você herda tudo isso. Deve se sentir honrado.

— Sim, mãe — ele assentiu. — Eu me sinto. — Depois, volveu-se para ela. — Gostaria muito de ter conhecido meu avô, Kazue Shiromiya— apontou a foto. — Céus, como ele era bonito. Não é à toa que vovô Satoshi se assumiu gay por causa dele.

Miya gargalhou.

— A beleza era a menor das suas qualidades. Papa era doce, gentil, maravilhoso — sentiu os olhos úmidos, mas afastou as lágrimas. — Ele me salvou de todas as formas que uma pessoa pode ser salva por outra.

No começo do ano de 1960, Miya foi declarada oficialmente curada de sua doença. Feliz, ganhou – a contragosto de Ryo – uma viagem para assistir a um show do ídolo Elvis, nos Estados Unidos.

Shiro a acompanhou. Lembrava-se alegre, daquele momento a sós com o pai. Aliás, todos os momentos ao lado do papa foram incríveis. Ele sempre parecia entendê-la de uma forma que ninguém mais o faria.

Acariciando os cabelos do filho, lamentou que Shiro não pudera conhecer o neto. Miya estava grávida quando o pai morreu. Lembrou-se de acordar aos prantos de manhã, sem saber exatamente o porquê. O marido surgiu alguns minutos depois, com o telefone em mãos.

Ryo Satoshi encontrou o companheiro morto na cama, durante uma manhã fria de inverno. Foi um ataque cardíaco fulminante, explicara o médico. Ele tinha quarenta e cinco anos, e permanecia jovem. Estranhamente, tornou-se jovem para sempre.

Depois disso, ela mudou-se para a casa do pai. O marido, compreensivo, entendeu a situação, e aceitou aquele pedido. Até porque, se eles não o fizessem, Ryo não teria forças para prosseguir. Foi o nascimento do neto, sete meses depois, que renasceu uma réstia de luz no comerciante e empresário, mas nada que se assemelhasse ao Satoshi Ryo de antes.

“Depois de tudo que eu fiz” Ryo lhe explicara, certa vez, “era justo que Kami-sama me punisse”.

Miya queria dizer ao papai que Kami não punia ninguém, e que a vida era repleta de momentos como aquele. Mas respeitou sua dor, e tudo que fez foi abraçá-lo enquanto permanecia ao seu lado.

— Perder um pai é algo que dói muito, não é, mãe? — o filho comentou, notando seu olhar lacrimejante.

A mulher respirou fundo, respeitosamente.

Assim como ela, Kazue também perdera seu pai muito cedo. Rapidamente, relembrou de como a vida a uniu ao seu único amor romântico.

Aiko Mamoru, tão logo Shin saiu da prisão, em 1951, ficou obcecado pela ideia de ter um filho. Desejoso de fazer a vontade do amado, Shin tentou adotar uma criança nos inúmeros abrigos que foram criados pós-guerra.

Porém, a cada negativa, Aiko parecia morrer aos poucos. Na última vez que tentaram, uma das assistentes sociais lhes perguntou diretamente o que dois gays iriam querer com uma criança. Era uma cruel indicação de que jamais teriam um pequeno nos braços.

Ao voltarem para casa, Mamoru rumou reto escadarias acima, e Shin o seguiu pouco depois. Encontrou-o chorando, segurando um urso de pelúcia no quarto que haviam montado para receber a criança.

Depois daquilo, o ex-cortesão tentou convencer Shin a dormir com uma mulher e engravidá-la. A descabida ideia causou uma séria ruptura no relacionamento leal deles. Shin se sentia traído pela falta de ciúmes de Mamoru e, este, não o perdoava pela recusa.

Durante um jantar na casa de Jiro e Daniel, Mamoru disse, em tom alto, surpreendendo a todos:

“Para dormir com putas quando mais novo, você não tinha tanto pudor”.

Shin atirou os talheres em cima do prato e foi embora.

Ficaram separados por dois meses. Por fim, Sakamoto o procurou e, após uma conversa séria, decidiram desistir da ideia e reconhecer que a vida deles não seria como sonhavam. Para cicatrizar as feridas, Shin o convidou para uma viagem. Aiko nunca havia saído do país, e gostou da ideia.

“Brasil”, Shin afirmou. “Temos uma enorme colônia japonesa lá”.

Parecia assustador ir para tão longe, mas Aiko precisava respirar outros ares. E, de fato, ficou fascinado com o que viu. Um lugar bonito, cheio de verde e de uma cultura riquíssima. Contudo, a viagem mostrou-se mais proveitosa do que planejada.

Durante a visita em uma igreja histórica no Rio de Janeiro, o imprevisto de um roubo por uma criança os levou à delegacia. Enquanto Shin, num inglês impecável, reclamava com a polícia sobre aquele moleque tê-lo furtado, a criança, que foi capturada pouco depois, mantinha a cabeça baixa, sentada num sofá alheio.

Com os olhos fixos nele, Aiko percebeu a fome e a dor em seus olhos.

“Como se chama?” — perguntou, em japonês.

O menino o encarou assustado, sem entendê-lo. O intérprete que servia de guia traduziu a frase, e então ele ouviu a voz infantil.

“Ele se chama João”, falou o guia.

“Que idade tem?”

Mais uma troca de palavras adiante.

“Tem onze”.

“Por que nos roubou? Ele não tem pais para sustentá-lo?”

A criança ficou cabisbaixa ao responder ao homem.

“Disse que a mãe morreu e o pai o largou nas ruas”.

Algo dentro de Aiko explodiu naquele momento. Levantou-se do sofá e foi até Sakamoto. Ouviu a negativa cerca de cinco vezes, mas, ríspido, disse que não sairia dali sem o menino.

“Ele nem é japonês!” Shin argumentou como pôde.

“Eu quero um filho. Ele não tem pai. Eu quero aquele menino, Sakamoto, e se você não mover céus e terra para dá-lo para mim, nunca mais olharei na sua cara!”.

A chantagem teve efeito. As leis brasileiras poderiam ser facilmente manipuláveis por suborno, ele percebeu. Ao retornarem para sua casa em Tóquio, eles trouxeram consigo um garoto de pele escura e olhos assustados.

Não foi fácil, de início. Além da dificuldade com o idioma – vencida com a ajuda de vários interpretes e professores –, o garoto parecia escandalizado com o fato de ter dois pais. Certa vez, disse a Aiko que queria ir embora, fazendo-o chorar por dias. Em outra oportunidade, fugiu e ficou desaparecido por várias horas, enquanto Sakamoto colocava inúmeros membros da guarda real a sua captura.

Mas o amor costuma vencer todas as barreiras e um dia durante o café da manhã, Mamoru ouviu algo tão sonhado:

“Pai, me alcança a manteiga?”.

Shin, no canto da mesa, sequer conseguia respirar, enquanto as batidas do coração tornaram-se frenéticas. Porém, Mamoru nunca foi comedido, e logo abraçava o filho, enchendo-o de beijos.

O resto da família pareceu aceitar bem aquela adoção. Especialmente Miya. O primo tornou-se o melhor amigo para suas traquinagens e, conforme ela foi crescendo, tornou-se também o cúmplice no amor.

Ambos se apaixonaram praticamente ao mesmo tempo e descobriram juntos as dores e as alegrias do primeiro amor.

João e Miya casaram-se numa manhã de primavera. Ela foi levada ao altar pelos dois pais, que mal conseguiram conter as lágrimas. Tiveram uma vida boa e calma. Mas um câncer o levou de seus braços.

De certa forma, Miya pensou, João teve sorte, assim não viu os dois pais partindo em um acidente de carro.

O acidente foi mais uma das surpresas da vida. Teve outras, como o tio Jiro morrendo, aos setenta anos, sentado na sede da sua rede de livrarias, segurando um livro. Foi ela que o encontrou, ali e chorou por várias horas, abraçada a ele, enquanto a secretária mandava avisar ao tio Daniel o ocorrido.

Enfim, era isso, a vida. Shin Sakamoto sempre a alertou do fato. Viver os dias que temos com honra, para não ter arrependimentos. Ela sempre meditou na frase e prometeu a si mesma cumpri-la enquanto vivesse.

— Vou ver seu avô — avisou, afastando-se.

Satoshi Ryo estava sentado em sua cadeira de rodas. Aos oitenta anos, ele ainda tinha lucidez de mente, mas o corpo cobrou pelas noitadas de bebedeira da juventude.

O homem estava no jardim, observando ao longe o ar calmo da noite. Sorriu ao sentir o perfume da filha.

— Quer ir descansar, papai? — ela indagou, sentando-se ao seu lado.

Ryo a olhou.

— Você está com quase sessenta anos e não tem rugas, Miya. Como pode ser tão linda?

O elogio vindo do nada a fez gargalhar.

— São seus olhos que sempre vêem o melhor de mim — devolveu.

O velho sorriu.

— E meu neto?

— Na sala, olhando os porta-retratos. Falávamos de papa.

Ryo assentiu.

— Eu te amo, filha — a confissão foi inesperada, mas bem recebida.

— Eu também.

Ryo Satoshi olhou para frente. Ao longe, os canis e os gatis de Miya pareciam misturar-se à vegetação. A filha adorava árvores e a natureza. Havia transformado toda aquela enorme área em uma floresta nativa.

Miya seguiu seu olhar. A escuridão reinante era quebrada pelos flashes restantes de luz dos bonitos postes de iluminação decorativo do jardim.

Foi quanto notou a figura ao lado de uma das árvores. Vestido com um lindo quimono branco de flores vermelhas, ele estava tão bonito como sempre.

Seu papa… Seu Shiro.

Ele sorriu, e Miya sorriu em troca, sentindo um soluço escapar dos lábios. O coração batia tão apressado, que mal conseguia raciocinar, quanto mais se mover.

Foi então que viu seu pai Satoshi, jovem, aproximando-se daquela figura. Eles trocaram um beijo e deram as mãos. O rosto do papa voltou-se mais uma vez para ela, e então tudo desapareceu.

Kazue encontrou a mãe com o rosto lavado pelas lágrimas ao lado do corpo do avô. Sentiu o pranto também tomá-lo, mas a mãe o conteve com um sorriso e um abraço.

— Não chore — ela pediu. —A vida deu aos meus pais um final feliz.

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Josiane Veiga
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